28.7.06

O Desafio para a Conservação da “Mata Atlântica”


por Flavio Guiera



Sempre que sou questionado sobre um tema que cerca a “Mata Atlântica” costumo retrucar, em primeiro lugar, que a Floresta Atlântica não é mata, é floresta, assim como a Amazônica que tem tal status na boca do povo. Em segundo, questiono eu, a que tipo de bioma o tema se refere? Pois a Floresta Atlântica em que mergulho a cada descida da Serra do Mar ou da Paranapiacaba, rumo a Curitiba, tem diferenças tão díspares da região de Floresta de Araucária em que nasci e maiores ainda com a região de Floresta Estacional em que moro atualmente, que não há como colocar todas em um mesmo saco e definir que tudo isto faz parte de uma só “Mata Atlântica”. Não consigo engolir o Mapa de Biomas do Brasil, encomendado ao IBGE pelos Ministérios do Meio Ambiente e do Planejamento, Orçamento e Gestão, como uma ferramenta útil para efeitos de conservação da biodiversidade, manejo e desenvolvimento do País.

Infelizmente, a generalização da nomenclatura é uma das menores a que estão sujeitas todas as diferentes regiões fitoecológicas – que são os verdadeiros biomas – que compõem o que o Decreto 750/93 definiu, no grito, como Mata Atlântica.

Mas, e na prática? O que fazer dos últimos fragmentos de uma vegetação que possui somente 7,3% de sua cobertura original? E ainda mais, sabendo-se que agrega a região fitoecológica de maior biodiversidade no planeta, a verdadeira Floreta Atlântica (Floresta Ombrófila Densa, IBGE 1992)? Os proprietários rurais e comunidades que dela dependem para sua sobrevivência clamam pela liberação para o manejo e pela conversão do excedente ao que exige o Código Florestal. A sociedade urbana quer a preservação e sua restauração.

Para a preservação será criada, nos próximos 2 anos, uma bateria de Unidades de Conservação. Só em Floresta de Araucária serão oito, e dessas, apenas uma de uso sustentável. Estão sendo prospectadas as áreas com maior representatividade e áreas melhor conservadas. Convenhamos, neste âmbito, que as desapropriações para instituição de UC's jamais indenizaram os proprietários de forma justa, considerando o valor dos produtos que lá estão. Também pudera, pois só a área do futuro Parque Nacional das Araucárias que deve abranger o sul do Paraná e o norte de Santa Catarina, esvaziaria os cofres públicos da União numa só tacada. Convenhamos ainda que, somente 20% das UC's de nível federal possuem um conselho consultivo (Proteção Integral) ou deliberativo (uso sustentável) formado, conforme exige o sensacional SNUC na implementação dos planos de manejo. Com estas considerações, não se acena grandes perspectivas em curto prazo para nossa lamentada mata, já que uma enxurrada de ações judiciais certamente se acumularão nos tribunais antes de conhecermos qualquer plano de manejo para as áreas. Contudo, acredito no SNUC como uma ótima ferramenta de preservação de áreas com alto valor biológico quando o tiramos do plano das idéias.

Para a restauração, os Órgãos de Meio Ambiente estão com uma verdadeira batata quente nas mãos. As exigências de revegetação e averbação das áreas de Reserva Legal acabam por banalizar ainda mais os famosos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC's), pois amontoam-se às pilhas junto a toda burocracia governamental e, em campo, o que se nota é uma insípida brincadeira de plantar árvores nativas, 1/30 da área por ano. E o pior, uma brincadeira completamente descoordenada. Agrava-se a situação com um esquema de CRF (cotas de reserva florestal) que mais parece uma colcha de retalhos, puxando pedacinhos daqui e averbando acolá, sem critérios em favor da conservação dos biomas ou das bacias hidrográficas.

Olhando para o lado dos proprietários rurais que possuem suas reservas nativas ou até excedentes aos mínimos 20% exigidos além das áreas de preservação permanente, as perspectivas de utilização comercial destas áreas se resumem à colheita da erva mate e parcos projetos de manejo de palmito. Conversão para uso não florestais? Nem pensar. Resta-lhes também o turismo ecológico, que requer mão de obra especializada, infra-estrutura arrojada, belos cenários e uma boa vontade de levar prejuízos vez ou outra. Se houvesse, ainda, a possibilidade do turismo de caça, que tem uma força de impulso internacional dezenas de vezes maior que o turismo ecológico, sem comentar os rendimentos. Mas aqui, a caça é crime. Nos países de primeiro mundo, é esporte, e rende anualmente uma pequena fortuna aos proprietários de, também pequenas, florestas na Inglaterra, por exemplo. Neste caso, o interesse em que a floresta se mantenha e melhore a cada ano, é do proprietário e não da sociedade, não dos ambientalistas de carteirinha. Só assim sua pequena fortuna anual estará garantida, e junto com ela sua safra de trigo, canola etc, sem depender dos bancos ingleses.

Ora, se estamos tratando da região com a maior biodiversidade do planeta, o “ Homo sapiens brasilis” mais uma vez atesta sua incompetência no uso dos recursos com os quais fomos privilegiados. A proibição ao aproveitamento destas áreas para o manejo dos infindáveis produtos proporcionados nas florestas, reflete na indisponibilidade de modelos de desenvolvimento que busquem a sustentabilidade com base nesta riqueza natural. Como não se tem modelos, não é possível aprovar nenhum plano de manejo que ofereça padrões mínimos de sustentabilidade e se fecha um círculo vicioso onde todos saem perdendo. A floresta perde por não ser valorizada por quem a detém e a sociedade perde a chance de se redimir da furiosa devastação que empreendeu durante o século XX, tentando, desta vez, achar o caminho certo.

Sabe-se das limitações dos últimos fragmentos em fornecer produtos madeireiros, por exemplo. Mas é exatamente aí em que a oportunidade se escancara em nossa porta. Esta é a chance de nos especializarmos, tirar “leite da pedra”, pois, se fomos tão competentes em plantar espécies de árvores exóticas e faze-las aumentar em média 25% seu incremento em menos de 30 anos, se já experimentamos com a transgenia florestal, de que seremos capazes com as florestas naturais do sul do Brasil em 50 anos? Jamais saberemos sem tentar.

A única saída para a conservação da pobre rica “Mata Atlântica” é o aproveitamento de seus produtos de forma economicamente viável, ambientemente correta, socialmente benéfica, conforme a Carta para o Desenvolvimento Sustentável de 1992. Somente com a valorização dos últimos remanescentes florestais e a implementação de modelos produtivos que tomem em conta tais regras é que vislumbro o Brasil chegar ao final do século XXI com uma área florestal nativa maior do que os níveis atuais na “Mata Atlântica” e ainda, de quebra, ser a referência mundial ao sonhado modelo de desenvolvimento sustentável.
Fonte: Flavio Guiera (31) é Engenheiro Florestal, formado em 1996 pela UFPR. Atualmente coordena os processos de certificação florestal FSC/SmartWood, através do IMAFLORA, para empreendimentos de base florestal plantada.

Fonte: Ambiente Brasil

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